Sabemos que os Meios de Comunicação de
Massa possuem um poder de influência surpreendente sobre sua audiência, com
diversos níveis de gradação. Os nuances ideológicos em suas mensagens podem não
ser hipnóticas e irreversíveis como pregava a Teoria Hipodérmica da Escola de
Chicago, no entanto, jamais são ignoradas (WOLF, 1998).
Nesta lógica, pode-se entender que os
veículos de comunicação televisivos ligados à prática jornalística possuem um
papel determinante quanto à formação de opinião de um determinado público,
sobre determinado assunto.
Pierre Bourdieu (1997), em seu livro Sobre
a Televisão, a partir do seu conceito de Campo, delimita o campo
jornalístico. Para o autor, o campo jornalístico – assim como todos os outros -
é uma arena de disputa em torno de diversos capitais simbólicos. Grosso modo, o
jornalista não escreve para seu público e sim para seus pares, a fim de
conquistar o capital de reconhecimento e status.
Enquanto os jornalistas se “matam” em
torno do reconhecimento, acabam se tornando meros instrumentos de reprodução da
ideologia vigente e de seus patrões, que buscam outros capitais. A dinâmica
empresarial e a lógica capitalista desenfreada torna a notícia um produto,
descartável e o jornalista um mero peão. Tudo para buscar o capital dourado da
televisão: a audiência – que vai se converter em finanças para as empresas de
comunicação.
UMA PIRÂMIDE
A partir destas reflexões iniciais
temos três fatos que se articulam como uma lógica piramidal:
1) A mídia exerce um tipo de poder e
influência junto à opinião pública e na formação do senso comum;
2) A prática jornalística tem um papel
fundamental neste processo. O jornalista, mais preocupado com seu mundinho – e
aqui entra toda uma dinâmica de sobrevivência -, acaba servindo a um propósito
que não julga ético;
3) A doce audiência, tão necessária na
dinâmica televisiva, é gerada e gera dividendos, voltando ao início do processo
e gerando a necessidade de poder e influência da mídia sobre a sociedade.
Esta tríade é justamente o que sustenta
a repercussão midiática do recente incidente ocorrido em um protesto no Rio de
Janeiro, em que um manifestante – membro de um black block – disparou um rojão
que acidentalmente – ou não - levou à óbito Santiago Andrade, repórter
cinematográfico da TV Bandeirantes.
Explico: se fosse um cidadão comum, a
mídia não estaria tão comovida. Como a vítima é integrante do campo midiático,
do mundinho jornalístico, a questão virou pessoal. Tudo pode
ocorrer. “Se um dos meus pares for atingido, meu grupo identitário será ferido
coletivamente.”
Até então, a grande mídia vivia se
contradizendo em relação aos Black Blocs e às manifestações quase que diárias
em nosso país. Era algo esquizofrênico: os patrões acreditam que a ordem estava
sendo ferida. Já os funcionários, não acreditavam necessariamente nisso. Desta
dinâmica surgiam matérias que surtiam mal-estares em toda a sociedade. Falavam
uma coisa, mas queriam dizer outra.
Agora não. O discurso se alinhou. O
incidente acabou por servir como combustível para aqueles que se sentem
prejudicados pelas manifestações – os detentores do poder hegemônico. A opinião
pública e o senso comum acabam sendo direcionados com maior competência para
uma visão negativa dos protestos. Puro agendamento.
E os jornalistas que sempre apoiaram
discursivamente os protestos, recuam um tanto. Uns chocados pelo fato. E outros
com receio de irem contra seu grupo de pertença. É mais confortável ir com a
maioria, quando a desculpa é lógica.
AGORA HÁ UM PRECEDENTE
Agora existe uma boa desculpa para que
a mídia reforce a ideia de que não se devem usar máscaras durante os protestos.
De que o anonimato é perigoso. De que se o fato feriu a classe jornalística,
foi um golpe certeiro na democracia. É certo de que em meio a todo este caos,
existem aqueles que se aproveitam para consumar seus desejos de violência
reprimidos. A questão é que agora, com a mídia como escudo, a generalização é
possível.
Daí que esta maquiagem de bom mocismo
que justifica várias coisas, dentre elas uma caça às bruxas, favorece o
sensacionalismo em cima do fato em questão. É o “calço” que faltava para
sustentar o simulacro – definido por Baudrillard (1991) - que estava
“balangando”, quase caindo, meio “emborcado”... É o mais puro viés ideológico:
polarização do bem e do mal. Polêmica, fermento da audiência. Puro espetáculo.
E enquanto isso, as notícias sobre as
vergonhosas obras da copa por todo o Brasil não possuem o destaque necessário.
Milhões são desviados. Pessoas morrem no trânsito. Dinheiro do contribuinte
tendo outros fins, dentre outras milhares de questões. A repercussão deste caso
proporcionada pelas grandes emissoras de Televisão acaba servindo como uma
forma competente de desviar a atenção e formar uma opinião “adequada” do
público, de arregimentar audiência e consequentemente acumular capital
financeiro.
Finalizando, é interessante analisar o
quão irônico imaginar que as mais complexas situações de formação de opinião
repercutem a partir sentenças simples, inocentes. “Cinegrafista, não. Câmera
Man, não. Repórter cinematográfico é o correto.” Tal frase, repetida centenas
de vezes nas redes sociais e entre os jornalistas em seu cotidiano reforçou de
forma propagandista a ideia de negar que Santiago Andrade não pertencia ao
grupo.
Se palavras são fortes, o simbólico
imagético mais ainda. À vítima resta a glória pós-morte de ser um mártir da
comunicação. Para a tristeza e indignação dos jornalistas e comunicadores. Para
o constrangimento da sociedade. E para a alegria dos membros do pequeno e
seleto grupo que detém o poder em nosso país.
REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. São Paulo: Ed. Relógio D’agua. 1991.
WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença. 1987.
BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença. 1987.
BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.